Conversando com o Nenê sobre os shows que estou organizando em Guarulhos, na Grande São Paulo, estendemos o assunto para as suas raízes na região, já que ele cresceu por lá. Conversa vai, conversa vem, e ele me passou uma entrevista onde conta seus primeiros contatos com o punk, ainda na adolescência, os shows e as bandas que formou no início da carreira.
A entrevista nunca foi publicada na íntegra, mas foi base para a revista "CLAM #1 - A História do Rock Em Guarulhos", lançada pelo coletivo com apoio da prefeitura da cidade em 2011, onde Nenê e outros personagens do rock guarulhense narram essas e outras passagens de suas histórias.
Achei o material muito bacana para permanecer perdido, incluindo fotos "de época" e tudo (rs). Bom, acabei pedindo pra publicar, e ele, gentilmente, autorizou. Espero que gostem.
E vale lembrar que dia 20 de outubro rola show com Dance of Days (http://www.danceofdays.com.br/), Jack's Revenge (http://www.myspace.com/jacksrevenge.rock) e mais 2 bandas no Clube Outs, no Baixo Augusta. Logo divulgo o cartaz e maiores informações por aqui.
Abraços a todos!
Na LUTA!
Adriano Pacianotto
Fale um pouco sobre sua infância em Guarulhos
Cresci na cidade de Guarulhos, grande São Paulo. Nunca fui muito diferente das outras crianças, exceto pelo fato de odiar futebol desde que me entendo por gente. Odiava jogar, odiava ser escolhido para times na escola e odiava quando fechavam a rua com seus campos e me atrapalhavam andar de bicicleta hahahaha
E como conheceu o punk rock?
Me envolvi com punk rock com 13 anos de idade, em 1985, mas já escutava desde antes. E não era diferente de todo mundo que eu conhecia, nas festinhas da rua rolava Replicantes e Garotos Podres do mesmo jeito que rolava Titãs e Paralamas. Era tudo “rock nacional” e a molecada pirava. Mas só saí mesmo pra dar rolê com uns 14... por aí
Como foram os primeiros rolês?
Minha mãe sempre cuidou muito bem de mim, e meu pai, apesar de não aceitar de maneira alguma meu envolvimento com o punk, só tentava me proteger, da maneira dele. Com uns 14 anos tive minha primeira ruptura com a família, acho que eu estava numa manifestação no centro de Guarulhos que terminou com discursos no coreto da praça da prefeitura e meu pai me tirou de lá a força. Então passei meus primeiros dias fora de casa. Fui dar um rolê com os punks do centro de Guarulhos e acabei parando bem longe, perto da estação Carandiru, ali na zona norte de São Paulo, naquela casa que tinha lá, o Ácido Plástico, que é óbvio, não me deixou entrar. Essa foi uma das noites mais marcantes de meus primeiros dias no punk, que lembro como se fosse hoje. A música Suburbia 1986 do Dance of Days fala disso.
O que quer dizer esse nome?
Suburbia era um filme que rolava muito em VHS entre os punks na cidade daquela época. Tinha uma locadora no centro chamada Video Company que tinha todas essas cópias não oficiais que fizeram a alegria de toda molecada rsrsrs Quando eu começava as cartas para os zines, ao invés de colocar "Guarulhos, dia tal ano tal", eu colocava "Suburbia" no lugar. E veio daí o nome da música.
E a primeira banda punk em Guarulhos, como rolou?
Acabei voltando pra casa uns dias depois, mas saí e voltei diversas vezes, o que minha mãe tentava ao máximo esconder da família e dos vizinhos. No final dos anos 80 fiz as malas e me mudei pro Jardim Cumbica, num puxadinho da casa de um punk amigo meu, o Walker. Foi uma época que me marcou bastante também, acho que ali tive minha segunda ou terceira banda, mas que pode ser considerada a primeira “mais séria” mesmo, que foi o B.H.I., Barulhento Horrível e Insuportável, que chegou a fazer uns shows na região e até na USP com o Extremamente Irritante, já quando comecei a me envolver com o anarco-punk.
Mas antes dessa banda “mais séria” teve alguma outra?
Antes cantei no Penitenciária. Também em Guarulhos, mas ainda morava com meus pais. Chegamos a fazer alguns shows, chegamos à final do festival de música do Perestroika rock bar em 1988, ao lado do Utopia, que depois veio a se chamar Mamonas Assassinas. Outro show que lembro muito do Penitenciária foi no teatro Cepac, com Coyote Maldito e Restos de Nada. Foi a primeira vez que vi o RDN “de perto” e, na ausência de nosso baterista o batera deles tocou com a gente. Era engraçado, ele não conhecia as músicas e a gente falava “agora é punk rock” ou “essa parte é hardcore” e ele ia acelerando ou diminuindo. Nosso baterista sempre faltava, tanto que quem tocou batera pra gente nesse fest do Perestroika foi o baterista do Coyote Maldito.
Alguma lembrança mais marcante dessa fase em Guarulhos?
Acho que o show do 365, Inocentes e Chernobyl em 1987 no Ginásio do Parque Cecap, que deu aquela confusão toda. Eu era bem moleque, tinha o que, 15 anos, e vi uma facada e uma pancadaria a menos de 20 metros de mim, aí rolou toda treta generalizada do lado de fora, eu e um amigo fomos perseguidos dentro do Cecap até que um brother lá disse que a gente não tinha nada a ver com a treta. E foi minha primeira vez dentro de um camburão de polícia, pois no final a polícia estava pegando os punks detidos no Cecap e soltando longe da treta, no centro de Guarulhos.
E o movimento punk na cidade como era?
Bom, tinha uma turma grande, que acho que era a maior da cidade e se chamava R.A., Rebeldes Anarquistas. Os sons da R.A. eram bem legais, colava muita gente de fora e num deles foi onde vi o show da H2SO4, que tinha o Edu na Guitarra, que depois veio a formar o Penitenciária comigo. Tinha essa galera do H2SO4 que eram os Makabros e tinha a galera do subúrbio da cidade, que era a GS. Basicamente a galera se reunia de semana no Melãozinho, que era uma lanchonete perto da escola onde boa parte da turma estudava ou na frente do Mata Hari, que às vezes fazia uma seleção punk nas matinês, mas que sempre colocava todo mundo pra fora quando rolava pogo.
Que época isso?
Isso foi em meados dos anos 80, rolava mais som de fita que show na cidade, e os shows que rolavam eram no teatro CEPAC. Depois mais pro finalzinho dos 80, início dos 90, começou a ter uma cena mais misturada com metal no Bar do Alemão... Cheguei a tocar algumas vezes lá com o Repulsive, que tinha um headbanger na guitarra e fazia toda essa ponte, pois conhecia toda galera que frequentava o bar. Foi mais ou menos nessa época, início dos anos 90, que o Repulsive acabou e comecei os primeiros ensaios com o Personal Choice.
Obs.: Entrevista originalmente feita para e revista do Projeto CLAM, de Guarulhos, em 2011. Parte dessa história foi publicada na “História do Rock Em Guarulhos” pelo coletivo, mas o restante desse conteúdo estava perdido, portanto é inédito.