quinta-feira, janeiro 17, 2013

Cuidado com a Polícia do Pensamento


(...) Com efeito, a história começara por volta de 1965, o período dos grandes expurgos em que os chefes originais da Revolução tinham sido liquidados duma vez por todas. Aí por 1970 não sobrava ninguém, exceto o Grande Irmão. A essa altura todos os restantes haviam sido acusados de traição e atividades contra-revolucionárias. Goldstein fugira e escondera-se em lugar não sabido, e dos outros alguns tinham desaparecido, enquanto que a maioria fora justiçada, após espetaculares julgamentos públicos em que confessara amplamente seus crimes. Entre os últimos sobreviventes, contavam-se três homens chamados Jones, Aaronson e Rutherford. O trio devia ter sido preso e m 1965. Como acontecia com frequência, tinham sumido durante um ano ou mais, de modo que ninguém sabia se estavam vivos ou mortos; de repente tinham aparecido para se incriminar da maneira habitual. Confessaram entendimentos com o inimigo (que naquela data era a Eurásia), desfalque de dinheiros públicos, assassínios de vários dignos membros do partido, intrigas contra a liderança do Grande Irmão que se tinham iniciado muito antes da Revolução, e atos de sabotagem causadores da morte de centenas de milhares de inocentes. Depois de confessar, tinham sido perdoados, restabelecidos no Partido e nomeados para cargos que pareciam importantes mas que não passavam de sinecuras. Os três haviam escrito longos e abjetos artigos no Times, analisando as razões da sua defecção e prometendo emendar-se.
Algum tempo depois, Winston vira os três no Café Castanheira. Lembrava-se do fascínio com que os examinara, com o rabo dos olhos. Eram bem mais velhos que ele, relíquias de um mundo antigo, quase que as últimas grandes figuras remanescentes do passado heroico do Partido. O encanto da luta clandestina e da guerra civil ainda pairava ligeiramente sobre eles. Winston teve a impressão, embora já os fatos e datas se fossem confundindo, que lhes soubera os nomes muito antes de conhecer o do Grande Irmão. Mas eram também fora-da-lei, inimigos, intocáveis, condenados à extinção com absoluta certeza, dali a um ano ou dois. Ninguém que tivesse caído uma vez em mãos da Polícia do Pensamento conseguia escapar. Eram cadáveres esperando que os devolvessem ao sepulcro. (...)

Trecho do livro 1984, de George Orwell.

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