As “labaredas de amor” tratam do tema com uma morbidez lírica e a sensação de um coração despedaçado, mas que usa sua dor para mostrar o que tem de mais sensível e inspirado. Adriano comete versos de uma profundidade e beleza inquietantes: “E ao ouvir passarinhos/ Corro até a varanda/ E me sento na escadaria/ Assistindo ao derramar das folhas/ E o enferrujar dos meus amores”.
Várias vezes na leitura dessa seção de suas labaredas, tive a impressão de estar em um cenário típico do Ultrarromantismo, com a onipresença da noite e paisagens decadentes e apocalípticas. “Em dias como este eu não tinha sonhos/ E sempre perdia o que queria tanto/ Às vezes, eu não tinha sono/ E às vezes dormia sobre fel e escombros”.
O livro vez por outra é povoado por versos soltos em negrito, com climas bem urgentes: “Você vai me esquecer em breve/ As mágoas ficarão dormentes/ Os olhares diferentes/ E as palavras bem mais leves”, Adriano escreve em uma sequência desses versos dispersos, narrando com precisão o que acontece ao fim de um relacionamento.
Ainda nessa parte, “Um blues para os drogados” é um flash urbano voltado para os esquecidos e para o que a arquitetura não consegue disfarçar. Em uma avalanche de imagens, o eu lírico admite sua parceria com a decadência e a aceita como parte de sua existência.
Em “labaredas de desejo”, o tom é mais carnal, mas sem abandonar a morbidez e explorar os recantos mais obscuros do desejo. “Cálices de dor e vinho” ilustra muito bem essa parte: “Mas você, minha querida/ Será minha eterna amiga/ Companheira destemida/ Nesta luta violentíssima/ Que travo com meu mundo oculto/ Muitas vezes te fazendo vítima”.
Adriano também faz do cotidiano um painel poético de metáforas um tanto quanto criativas: “E meu vermicida homeopático/ Cria ninhos de palitos de fósforos/ Enquanto o último quase gole/ Vem sem sonho, sem açúcar e gelado”.
Na terceira e última parte, as “labaredas de escárnio” parecem ter alvo certo, criticando uma certa instituição, relembrando antigos pesadelos da nossa história, atirando na cara de autoridades sua estupidez inconsequente, lançando molotovs poéticos em direção de uma “caravana histérica” e “rebanho de loucos” cego para a verdade que se desenha a sangue e tiros. Nessa parte, ainda há espaço para se escarnecer da cidade e do próprio eu lírico: “Café requentado/ Em copo de vidro/ Tão velho e fodido/ Tão sujo e manchado/ Parece comigo/ Parece passado”.
Enfim, recomendo a leitura dessas chamas poéticas que iluminam e queimam, mas cuidado: essas “Labaredas” podem incinerar as sensibilidades mais delicadas.